TextsDores, F. (2024). “Se o Cinema é uma Arma”: O desaparecimento e a (re)imaginação histórica. 11, 246–253. https://doi.org/10.14591/aniki.v11n1.1077

Aniki: Portuguese Journal of the Moving Image
Vol 11 Nº2 (2024): The Natural World in the Cinema

Editors: José Bértolo (IELT/ NOVA FCSH, Portugal), Maile Colbert (IFILNOVA/ NOVA FCSH, Portugal) and Susana Mouzinho (IFILNOVA/ NOVA FCSH, Portugal)

DOI: https://doi.org/10.14591/aniki.v11n2
Published: 2024-07-25



Exhibitions and film festivals

“If Cinema is a Weapon”: Disappearance and historical (re)imagination
Francisca Dores

PDF (Portuguese)

Abstract
The film programme “If Cinema is a Weapon”, presented at the Batalha Film Centre in Spring 2024, provided the set-up for a discussion on identity, power and resistance. From a post-colonialist perspective, the films revealed latent gestures that are intertwined with a demand for disappearance as a fundamental condition for questioning power structures.

Keywords
Batalha Centro de Cinema; cinema; disappearance; post-colonialism;
revolution.






2024 . Kamal Aljafari - First Shorts Exhibition #13
curated by Cátia Rodrigues, at Térmita, Porto.

When observing the cinema of Kamal Aljafari, particularly the set of short films chosen for the First Shorts Exhibition #13, curated by Cátia Rodrigues, we are placed in the role of witness to a set of fragments that somehow highlight the emptiness of places, the human condition, and its destruction. Inevitably, I also think of the genocide that we watch live from our screens. As journalist Alexandra Lucas Coelho tells us, ‘We have never seen so much evidence of who dies. And who kills.’ In these films, Aljafari directs our gaze towards suspensions and simulations that belong to the imaginary of this reality. We witness an attempt to manipulate reality and erase identities. To this end, the filmmaker uses not only propaganda images from the Israeli army, in Paradiso XXXI, 108, but also a set of images that show the de-personalisation of those who wait, in It's a Long Way From Amphioxus, and reports of a former explosion of old Iraq Airways documents, in Visit IRAQ.
            ‘Without anyone to inhabit them, strange places like this become even more conspicuous,’ says the second man who testifies in the short film Visit IRAQ. Perhaps this is a thought we can carry over to the set of short films that are part of this session. The latency of what was, or what could be, haunts all the landscapes we see, from a shop in a corner to the balconies of Ramla and the Al-Naqab desert in Palestine.
           In Visit IRAQ, Aljafari offers us an approach to a bizarre place, left in apparent abandonment: an airline, Iraq Airways, which closed after the end of the Gulf War. Passers-byby no longer question or try to look through the windows covered in a thin layer of dust. They speak to us from behind a metal railing, suggesting that it's impossible to really get to know the place. This barrier, which Aljafari has chosen to impose on certain individuals who share his testimony, emphasises the distance between what happens outside, on the street, and what happened inside the office-aquarium. On the floor, telephones, coloured papers, and a photograph of an aeroplane. There's something familiar about these images, perhaps because they evoke nostalgia for a lost time, exposed and illuminated by the rays of sunlight that sweep through the space throughout the day.
           In Balconies, on the other hand, we see the idea of an unrealised promise. Unlike the apparent transparency of the Iraq Airways office, the emptiness of the balconies and facades of the Palestinian city is opaque. The windows are closed, some even cemented shut with grey bricks, which completely nullify any possibility or condition of home in these spaces. The balcony, as an element of a house that faces the street, doesn't exist except in its skeleton, like an exposed wound that repeats itself. In this diptych, which is interspersed with black intervals, silence dominates the landscape. Few people inhabit the streets and the beams squirm as if they had already borne some weight. The metal merges with the aerials, electricity cables and wires. Green fills these places, it asserts itself through the cracks in the walls, through the windows in the facades of houses that only exist in our imagination.
           In a series of waiting scenes recalling the landscapes of Chantal Akerman's D'Est, Kamal Aljafari now takes us through a sterile corridor punctuated with numbered doors, where numbered people go. In It's a Long Way From Amphioxus, the identity of those who are waiting is reduced to a number. We see an illustrated world map where children's drawings occupy territories with colonialist emblems. The contemporary world has been conquered with numbers. The wait is thus punctuated by symbols that refer to an oppressive history of humanity. Time passes and night falls. The seats are still filled by those who wait. A new day. The spaces are now empty of bodies and the numbers fragment from the electronic panel. They travel through the labyrinthic space, in an obvious criticism of society's bureaucratic processes. Each of those numbers is or should be a person. Each of those numbers occupies a place on the world map, saturating it. They are reflected in the window, taking on its materiality. They travel from the painting to the corridor, saturating the corridor too. There wouldn't be as many people as there are numbers. The space of the body is thus reduced to a digital space.
            This gesture of dehumanising the individual is perpetuated in the set of propagandist images re-imagined by Aljafari in the film Paradiso XXXI, 108. In the emptiness of the desert, the Israeli army proclaims itself a hero, searching for an enemy that doesn't exist, or never seems to arrive. Whilst watching this set of simulations, we listen to Danse Macabre by Saint-Saëns. Shortly afterwards, we gaze at a small group of dried snail shells camouflaged in the desert sand. The bombs continue to fall, thunderously, and lift the sand. They destroy the fossils; they destroy the emptiness. As night falls over the desert, we watch the dance of the flames, each one belonging to a body. Space seems to have collapsed in the face of fire and explosions, but Palestine will live on to haunt us.



2022 . Sleep Has Her House - Film Club EA

https://artes.porto.ucp.pt/pt-pt/corpos-animistas-cineclube-ea


DA FLORESTA PARA O INTERIOR DO ABISMO 

Deixo que os meus olhos se adaptem à escuridão. Miragens turvas de um intervalo de  destruição. A noite é inevitável, assim como o escuro que tudo absorve. Procuro na escuridão  e na sombra aprendo a olhar. A sombra, com a sua capacidade de tornar presente aquilo que  está ausente (Stoichita, 1999), revela um lugar que opera numa dimensão e intervalo próprios.  Neste lugar, os corpos humanos fazem-se sentir pela sua ausência, e a sua existência é  diminuída ao expoente máximo da impotência. Os espectros, que habitam a floresta, surgem  como vislumbres da vida de um lugar cuja implosão é iminente.  

Em Sleep Has Her House (2017), de Scott Barley, o vento guia-nos para as profundezas da  floresta. A débil luz, que está presente nas silhuetas, em positivo, dos cavalos, das corujas, da  água, do céu e dos trovões, estabelece uma relação simbiótica com a esmagadora presença  do escuro. As imagens de Barley metamorfoseiam-se e sobrevivem, então, como espectros  que testemunham o preenchido vazio da floresta. A queda da água renova-se a si mesma,  sobrepõe-se e transforma-se. Os animais devolvem o seu olhar e, através da distância e  do silêncio inerentes a este cruzamento, o espectador – ou antes, o ser humano – ganha  consciência de si (Berger, 2020). Enclausurados no microcosmos da floresta, voltamos  também o nosso olhar para o céu que, pintado de laranja, se exprime como um augúrio para  a renovação e purificação post mortem dos lugares. Um manto de nevoeiro, enquanto latência  tornada evidente, cobre, então, a floresta. A ambiguidade das imagens transporta-nos para  a ancestralidade do interior de uma caverna iluminada pela volátil luz do fogo. Os lugares  e a paisagem expõem-se como miragens, como ilusões aprisionadas numa caverna onde  todos os caminhos são possíveis. Este conjunto de possibilidades, no entanto, está limitado  pela vida das chamas que projetam nas paredes da caverna as sombras necessárias para  a compreensão do mundo. Assim que as chamas se extinguirem, dissolvem-se também as  imagens e os lugares. Na floresta, é como se a luz estivesse contida nas silhuetas positivas  dos espectros que nela habitam, à espera de ser absorvida, lentamente, pelas sombras. Com  a trovoada, surge uma tentativa de evasão. Os cascos do cavalo marcam o tempo, apenas  para nos relembrar da inevitabilidade do fim. Percorremos a floresta, ao mesmo tempo que transitamos de um estado de testemunha, cujo olhar havia sido devolvido, para espectador  noctâmbulo. Assistimos, então, não à personificação do cavalo, mas ao seu inverso. O seu olho, pintado de negro, relembra-nos também do pensamento de Giorgio Agamben, quando  pensa sobre o contemporâneo: só quem tem a capacidade de perceber o escuro se pode  considerar conhecedor do tempo que habita (Agamben, 2009). O olho do cavalo funde-se com  a própria treva, como que entrevendo “a sua íntima obscuridade” (Agamben, 2009). Funde-se  a água com o vento e os trovões, funde-se o nevoeiro com a floresta. Somos cercados pela  geofonia da floresta, pelo seu silêncio e por uma melodia que intensifica o caráter hipnótico das  imagens. Breves clarões revelam-nos aquilo que sempre esteve latente nas sombras e fazem nos questionar: somos, ou parecemos? Depois, um mergulhar. O silêncio é ensurdecedor. O  continuum de um supermassivo, agitado em movimentos circulares, tudo absorve. O abismo  cósmico devora tudo o que lhe está próximo. Protegido pela distância e rejeitado pela floresta,  o nosso corpo, retornado à sua condição de testemunha do cataclismo necessário para a  renovação do mundo, ocupa, simultaneamente, um estado de sonambulismo profundo.  Segundo o pensamento de Walter Benjamim, quem acaba de despertar está ainda cativo do  seu sonho (Benjamin, 2020). É assim que nos sentimos quando deixamos que Sleep Has Her  House nos arraste consigo para as trevas, ao mesmo tempo que faz emergir breves vislumbres  da vida. Como se nos encontrássemos num estado de suspensão absoluta, onde o limiar entre  o real e o onírico é praticamente invisível.  


Bibliografia  

Agamben, G. (2009). Nudez. Relógio D’Água. 
Benjamin, W. (2020). Sonhos. Sr Teste. 
Berger, J. (2020). Porquê olhar os animais? Antígona Editores 









2023 . “All Space, All Time” - Film Club EA

Film cycle and text organized and written together with Daniel Ribas. 

Program

The Burning Mountain (2014), Gürcan Keltek
Meteorlar (2017), Gürcan Keltek
La Libertad (2017), Laura Huertas Millán
Listen to Me (2016), Carla Andrade
Polustanok (2000), Sergei Loznitsa
El paisaje está vacío y el vacío es paisaje (2017), Carla Andrade
Foreign Parts (2010), Véréna Paravel & J.P. Sniadecki

https://artes.porto.ucp.pt/pt-pt/todo-o-espaco-todo-o-tempo-cineclube-ea



TODO O ESPAÇO, TODO O TEMPO


(As estrelas, a terrível perturbação dos sóis, 
Dilatando-se, destruindo-se, acabando,  servindo no seu mais longo ou breve
            uso),
Só albergam imagens.

Folhas de Erva, Walt Whitman


No momento presente, da modernidade tardia, os sentimentos antagónicos coexistem, o contexto determina os sentidos e a imagem do mundo está em permanente transformação. Assistimos à liquidez dos lugares identitários e à criação de uma imagem-mundo onde prevalece a horizontalidade dos seus elementos. É neste paradigma, que o campo deixou de ser campo, as cidades também deixaram de o ser, assim como a ideia de comunidade. Existe, agora, uma comunidade-mundo que habita uma cidade-mundo. As imagens amontoam-se, como a terra que se junta no pé das plantas de raízes adventícias, cobrindo todo o espaço e todo o tempo. “A árvore é já a imagem do mundo ou, antes, a raiz é a imagem da árvore-mundo.” (Deleuze & Guattari, 2020, p. 13) A imagem do mundo será, então, fragmentada e posteriormente montada e re-imaginada. Será neste sentido também que consideramos, assim como Deleuze e Guattari (2020, p. 16), que já não é possível estabelecer relações dicotómicas.  Os objetos e as suas imagens interligam-se, fundem-se e contestam-se mutuamente na criação da “poderosa imagem-Terra” e, como nos diz Walt Whitman, “o visível é apenas a força geradora.” (Whitman, 2003, p. 15) Todas as imagens, como representações do visível, unem-se para formar, ou gerar, uma única imagem. Assim acontecerá também com as cidades que desaparecem apenas para formar uma cidade-mundo, num planeta que é atualmente considerado como um projeto de exploração. Assim, as subjetividades são substituídas pela ilusão de um sentido de pertença ao mundo, a uma comunidade global e ao instantâneo, independentemente do tempo e do espaço. Este ser individual, que integra as novas comunidades da cidade-mundo, será também aqui considerado como um corpo “corrigido” e transformado ao longo das décadas.

Considerando o paralelismo entre a transformação do mundo e das comunidades, compreendemos que, segundo a perspetiva de Bauman, todas as comunidades serão também “projetos em vez de realidades, algo que vem depois, e não antes da escolha individual.” (Bauman, 2012, p. 169) Segundo esta perspetiva, podemos então deduzir que, na sociedade moderna em transformação, tudo, desde a paisagem até à existência individual e em comunidade, pode ser visto como um projeto. Com efeito, a existência individual, isto é, a identidade, apenas terá surgido a partir de uma profunda transformação das comunidades. Neste sentido, Hobsbawm, citado por Bauman, observa que no preciso momento em que a comunidade colapsa, a identidade é inventada. (Bauman, 2012, p. 171) Através da sua perspetiva, poderemos então compreender que não apenas a questão da identidade humana provém de uma transformação, como também essa transformação é, em si, traumática. As comunidades, assim como as cidades e as suas muralhas, desmoronaram-se.

Atualmente, podemos então considerar que tanto as cidades como as comunidades se tornaram realidades absurdas. Segundo o pensamento de Bauman, o comunitarismo moderno apenas acentua um desequilíbrio, que cada vez mais se faz sentir, entre a liberdade individual e a segurança. (Bauman, 2012, p. 170) Neste sentido, o paradoxo das comunidades contemporâneas terá como base a falsa promessa de um espaço seguro, ao mesmo tempo que se revela um lugar em constante transformação e, portanto, imprevisível para o indivíduo que, por sua vez, vê aumentado o volume das suas responsabilidades individuais. (Bauman, 2012, pp. 170, 171) Podemos, então, concluir, que o desequilíbrio existencial nas comunidades e a sua volatilidade têm como uma das principais consequências a fragilidade das relações humanas. Consideramos, aqui, que a relação entre a comunidade e o território deixou de ser simbiótica – entre seres humanos e lugares – para passar a existir como uma relação entre projetos que alimentam, mutuamente, a instabilidade um do outro.

Simultaneamente, através de etnografias ficcionadas e de paisagens, por sua vez montadas a partir de fragmentos de outras, observamos atualmente um conjunto de olhares que investiga e procura recuperar gestos, práticas ancestrais e a natureza elementar dos lugares. O ciclo “Todo o espaço, todo o tempo”, pretende recuperar, precisamente, esses olhares, estabelecendo relações radiculares entre as diferentes obras e práticas cinematográficas escolhidas. Começando esta viagem pelo cinema de Gürcan Keltek, e as suas paisagens re-imaginadas, seguimos para uma sequência de curtas-metragens que, com um olhar ora próximo, ora distante, nos sugerem lugares esquecidos, suspensões, ilusões sensoriais e memórias e tradições enraizadas nos gestos de uma comunidade. Por fim, com Foreign Parts, de Véréna Paravel e J. P. Sniadecki, testemunhamos o culminar de uma relação entre uma vibrante comunidade à margem e o lugar, na iminência de desaparecer, que habita e transforma, e que por ele também é deformada.

Estes filmes procuram, cada um à sua maneira, formas de perscrutar esta comunidade-mundo, através de dispositivos que se disfarçam de etnografia para tentar construir sentido do caos. Não por acaso, Meteorlar se socorre de uma poética para enfrentar o mundo violento. Ou Foreign Parts descobre uma possível humanidade no meio de um cemitério de máquinas. A voz sensível de Sergei Loznita, Laura Huertas Millán e Carla Andrade – nas suas curtas-metragens - é a voz que ainda descobre, também, a resistência de um olhar singular para o mundo. Andrade e Huertas Millán revelam mesmo possíveis novas formas de habitarmos como comunidade.

Estes filmes convocam também uma sensorialidade que advém de uma utilização do cinema como forma de sentir a pulsão das coisas, dos seres, do que é mais elementarmente humano. Fazem-no propondo um risco experimental no qual o cinema pode já ser outra coisa, um ato poético sobre o mundo.


Bibliografia 

Bauman, Z. (2012). Liquid Modernity. Polity Press.
Deleuze, G., & Guattari, F. (2020). Rizoma (2a). Documenta.
Whitman, W. (2003). Folhas de Erva. Assírio & Alvim.





El paisaje está vacío y el vacío es paisaje
(2017), Carla Andrade


2022 . Solyaris - Film Club EA

https://artes.porto.ucp.pt/en/there-no-place-home-cineclube-ea


VERSOS DE UM IMPOSSÍVEL RETORNO 

“Não vive ninguém agora 
na casa rosa junto ao prado
onde se fazia a feira dos cavalos.  
As persianas rangem e caem aos pedaços 
Até um pessegueiro cresceu lá dentro 
De um caroço que alguém deitou fora. (...)” 

Tonino Guerra, excerto de “Canto Décimo”, O Mel

Em 1983, numa entrevista, Andrei Tarkovsky afirmava: “A poesia não  altera a realidade. Ela cria-a.” (Kafka, 2007) Com efeito, a poesia cinematográfica de  Tarkovsky, assumidamente influenciada por autores como Tonino Guerra e  Arseniy Tarkovsky, cria autênticos universos oníricos, alcançando aquele  que Kafka considera ser “o ponto a atingir”, o ponto onde “deixa de ser  possível o regresso”. (Iavovino, 1983) Profundamente marcada pela nostalgia, a sua obra  ilustra catástrofes predestinadas, a exteriorização de mundos interiores e a  impossibilidade de a humanidade existir sem o amor. Tarkovsky sussurra-nos  ao ouvido, ao mesmo tempo que nos desafia a olhar para os seus filmes como  se estivéssemos a olhar para um espelho. (Tarkovsky, 2019) 

Considerado como o seu filme mais simples e acessível (Lopate, 2011), Solyaris (1972)  surge com o propósito de contestar a frieza e a esterilidade de 2001: A Space  Odyssey (1968). Como adaptação da obra homónima de Stanisław Lem (1961),  Solyaris concentra-se mais na dimensão humana, do que na ficção científica.  Antes da realização do filme, Tarkovsky declarou que aquilo que o atraiu nas  palavras de Lem não foi a ciência pura ou a tecnologia, mas sim a moralidade,  a psicologia e a filosofia. Para o cineasta, a história de Solyaris é, na verdade,  a história de um homem que não consegue escapar ao seu passado, que sente  o peso da culpa e a vontade de se retaliar com a vida. (Rodinson, 2006) De facto, no prelúdio que nos guia para o seu sonho angustiante, caminhamos com Kris entre memórias,  nostalgia e tristeza. Kris chega a Solyaris incompleto e impotente. O Oceano  confronta-o com um “cruel milagre” (Robinson, 2006), materializando a sua consciência para apenas  o condenar ao retorno infinito, sem possibilidade de mudar. Neste lugar, dominado  pela moralidade, Kris constrói um lar impossível, a sua própria “casa rosa junto ao  prado”. Finalmente, também em Solyaris um pessegueiro cresceu, e a existência de  Kris é devolvida à sua origem, ao lugar que, segundo Tarkovsky, nunca poderá ser esquecido. 
 

Bibliografia

Guerra, Tonino. (2003) O Mel. Assírio & Alvim.
Iavovino (1983) Andrei Tarkovsky: Interviews. University Press of Mississippi
Kafka, Franz. (2007) Meditações. Alma Azul.
Lopate, Phillip. “Solaris: Inner Space” Criterion, May 2011.
Robinson, Jeremy. (2006) The Sacred Cinema of Andrei Tarkovsky . Crescent Moon.
Tarkovsky, Andrei. (2019) Sculpting in Time. University of Texas Press